Anos atrás dei consultoria para um grande clube de futebol, destes que possui títulos nacionais e internacionais. Fim do projeto e resultados auferidos, ficou a amizade com parte da diretoria e alguns torcedores mais próximos. Um belo dia, depois de uma vitória e alguns goles de cerveja, um contato em comum confessa: “Olha, o diretor gostava muito do seu trabalho, mas reclamava que você mandava muitos ‘papéis’, dava preguiça de ler todo o estudo.”
Se faltava interesse e repertório profissional daquele diretor, sobrava jogo de cintura para convencer presidência, jogadores e áreas internas a alavancar suas atividades, ainda que da forma mais informal possível. Somente nas ações que trabalhamos juntos, levantamos R$ 2 milhões pelo clube. Com um pouco de disposição e planejamento, o potencial seria no mínimo 50% maior.
Na mesma época tinha um contato que era o oposto: líder de uma aceleradora pioneira no segmento de startups, tinha dificuldade de “se vender” ao mercado porque tinha repertório demais e falhava no trato da sua rede de contatos.
Ao retomar o contato com um amigo que conviveu com esta realidade, sobrou nos questionarmos o que é mais importante no ambiente de negócios: o quê ou quem você conhece?
Ao longo do tempo sempre pautei que os dois são fundamentais para você construir um negócio. E caso você tenha alguma deficiência em algum destes pilares, procure alguém que o supra – é assim que boas sociedades se sustentam. Mas uma reflexão a partir dos dias atuais, de crise, reinvenção e aumento da atividade empreendedora me levaram a novas conclusões.
Primeiramente, o início de uma empresa é majoritariamente pautado no repertório profissional. Você precisa tanto ser muito bom na operação que almeja executar (proposta de valor), quanto garantir que ela fique em pé sob o aspecto administrativo, financeiro e comercial. Não é a toa que é o planejamento, e não a falta de dinheiro ou vendas, a principal causa mortis de empresas no Brasil.
Mas sem rede de contatos você não escala: Uma das principais falhas de negócios criados por universitários e pessoas da classe média/alta reside em desenvolver produtos ou serviços que, inconscientemente, só os seus colegas teriam interesse em comprar. Sem sair da sua rede de contatos mais íntima, a não ser que você tenha uma projeção pessoal grande, quase uma celebridade, não há como um negócio ganhar escala e sobreviver. É aqui que o jogo de cintura, cara-de-pau ou força de vontade, seja qual for o termos para re-significar o esforço de comunicação e comercial, faz a diferença e traz a receita para casa.
Quanto mais competitivo o mercado, mais repertório é necessário: boa parte do empresariado brasileiro não diria isso, mas adoraria desenvolver seu negócio em meio a um monopólio setorial, de forma a amenizar a falta de repertório com sua rede de contatos e relacionamentos. Quem você acha que conhece mais as melhores práticas de gestão: donos de cooperativas de taxi ou o escritório regional do Uber?
O brasileiro é nato em rede de contatos, mas ruim de repertório: Ainda que existam grandes empresas com cabeças brilhantes no país, a maioria tem repertório aquém da média mundial, até pelo nosso histórico educacional. É o que explica a diferença no desenvolvimento de segmentos tanto tradicionais quanto o varejo alimentar em redes regionais quanto mais recentes como investimento e gestão de startups. Parte da ausência de empresas nacionais competindo no exterior também pode se fundamentar na falta de repertório para lidar com competidores mais experientes e fundamentados.
Visto estes pontos e pensando que o Brasil é um país onde há demanda reprimida em uma série de setores da economia, arrisco dizer que o diretor do clube de futebol ainda vai ganhar mais dinheiro que o especialista em startups por um bom tempo. Infelizmente o país ainda trilhará um grande caminho para ser bom tanto em iniciativa (cuja escala depende da rede de contatos) quanto em “acabativa” (aonde reside controles e o planejamento). Mas não desanimem e invista também em repertório!
João Gabriel Chebante