O mundo do trabalho mostra hoje um conjunto de evidências que apontam para a profunda reformulação em curso, que deverá se intensificar nos próximos anos. Provocada principalmente pela automação, mas também por fatores sócio-econômicos e culturais, essa reformução vai gerar novos tipos de relações entre os agentes do mercado e alterar valores. Não é por outra razão que um dos relatórios produzidos pelo World Economic Forum deste ano, que teve como tema central a Quarta Revolução Industrial, foi sobre “O Futuro do Emprego”.
O relatório nota que em muitos países e indústrias, as ocupações e especializações mais demandadas hoje não existiam há 10 ou mesmo 5 anos atrás. E estima que 65% das crianças que estão entrando na escola fundamental hoje irão atuar profissionalmente em novos tipos de funções que ainda não existem. A análise destaca os principais fatores motivadores de mudanças, entre os quais, três chamam nossa atenção. Um deles vem das mudanças no ambiente de trabalho e da flexibilização das relações profissionais. Novas tecnologias estão propiciando alterações como o trabalho remoto, compartilhamento de espaços e uso regular de teleconferência. Há uma tendência de que as organizações tenham equipes cada vez mais reduzidas de empregados com dedicação exclusiva, para funções fixas, e estes sejam apoiados por colegas de outros países e consultores externos, contratados para projetos específicos.
Outro fator de mudança é o aumento da expectativa de vida das populações. Nas próximas décadas, considera o estudo, as economias avançadas vão assistir o efeito do envelhecimento das populações, e como consequência o aumento do número de trabalhadores com mais de 65 anos, empenhados em assegurar recursos para a aposentadoria. Ao mesmo tempo, essa sociedade mais longeva vai criar oportunidades para novos produtos, serviços e modelos de negócios. Um terceiro aspecto que assinalamos é a crescente expectativa feminina com relação ao trabalho e seu resultante poder econômico. O relatório observa que as mulheres obtiveram ganhos significativos em sua participação na força de trabalho e um aumento importante de seu papel na economia como consumidoras e empregadas.
Automação
A forma como a automação vai impactar o trabalho nos próximos anos tem sido objeto de um número crescente de estudos. Um deles, publicado em 2015, é da Oxford Martin School, centro de pesquisas interdisciplinares ligado à Universidade de Oxford. Falando sobre o trabalho no século XXI, e do risco que a automação deverá trazer para as profissões hoje existentes, a pesquisa situa como os mais vulneráveis, primeiro, as ocupações que exigem baixa qualificação, em seguida as de média qualificação e, por último, as de alta qualificação. A automação traz dois efeitos simultâneos, em uma ponta provoca o desemprego e, em outra, cria novas funções para as quais serão necessários profissionais com qualificações ainda pouco disseminadas.
Nesse cenáro os pesquisadores estimam que 47% da força de trabalho dos EUA poderá estar em risco da perda de emprego nos próximos anos, como resultado da evolução da tecnologia. No caso da União Europeia esse percentual sobe para 54%.
É razoável supor que um diferencial competitivo para as empresas nesse futuro próximo será a capacidade de lidar da melhor forma com essas transformações. Vejamos algumas iniciativas que já estão em andamento. Uma tendência claramente pronunciada é a autoformação. Há novos modelos educacionais e tecnologias que valorizam o desenvolvimento autônomo, transdisciplinar e experimental. O chamado crowdlearning é um deles e pode ser visto em plataformas de troca de conhecimento, como a cinese.me, que promovem encontros entre interessados que vão assimilar experiências de seus colegas de grupo.
Amplia-se também o número das universidades abertas, que oferecem cursos gratuitos pela web, alguns de renomadas instituições como Harvard e MIT (exemplos www.edx.org e coursera. Multiplica-se, ao mesmo tempo, a oferta de tutoriais através do ferramentas como o You Tube, disponíveis em escala universal. A interessante plataforma lifetramp.com, sediada na Polônia, que oferece mentoria à distância, está hoje disponível em 90 cidades do mundo.
Fim do diploma?
A valorização da experiência como um ativo que merece ser reconhecido, independente da formação acadêmica, está presente nesse novo panorama. É sugestiva, por exemplo, a legislação adotada pelo Ministério do Trabalho da França, que permite aos interessados a obtenção de certificados baseados em experiência profissional . Para isso é necessário que a pessoa comprove pelo menos três anos de experiência relacionada com a certificação, o que lhe permite conseguir um VAE (validação de experiência adquirida). Um outro dado nessa direção é o anúncio feito no início do ano pela Ernest & Young, uma das maiores consultorias do mundo, de retirar a graduação como critério de contratação na empresa.
Novos desenhos de carreiras e de “contratos” de trabalho são também uma característica que começa a se pronunciar. Profissionais que atuam em três ou quatro atividades e atendem a diferentes empregadores é um desses tipos de oferta. A chamada Mass Career Customization, uma busca de alocações de recursos que procura conciliar talentos e aptidões da força de trabalho e suas escolhas pessoais com as necessidades das organizações, vem se tornando uma realidade na vida de muitas empresas multinacionais.
O pano de fundo desse cenário são mudanças sócio-econômicas e culturais vividas pelas sociedades avançadas. Faz parte do painel, por exemplo, o fato de que o modelo “tradicional”, de família na qual o homem trabalha fora e a mulher permanece no lar já é claramente minoritário nessas sociedades e foi substituído por inúmeros outros tipos de arranjos sociais que se refletem no emprego. Assim como vêm se alterando as expectativas das novas gerações que, ao contrário das chamadas gerações X e Y, não tomam as carreiras profissionais como valor absolutos de suas vidas.
Pequenos mas incisivos exemplos de propostas inovadoras somam-se a essas tendências. Um deles pode ser visto no site Guru Employer, plataforma que permite procurar e oferecer trabalho a partir de habilidades e necessidades, tendo o site como intermediário nessas negociações. Espaços makers , que dispõem infraestrutura para desenvolvimento de projetos de tecnologia abrem, por sua vez, uma alternativa para quem procura ingressar no mercado. Assinale-se, ainda, a forte valorização do empreendedorismo que encontra estímulo nas grandes corporações com o apoio às startups e aceleradoras de empreendimentos.
Faze parte desse espírito cultural a opção de jovens que hoje querem trabalhar com as empresas e não mais para as empresas.
Outra mudança que se consolida de forma clara é o imperativo da inclusão das diversidades, de gênero, raça/etnia, identidade cultural ou de portadores de necessidades especiais. Impulsionadas por políticas públicas, as iniciativas de inclusão da diversidade são cada vez mais incorporadas por organizações que veem nesse engajamento uma forma de criar valor para si e para a sociedade.
André Coutinho – Sócio-diretor da Symnetics.
Fonte: Administradores